um encontro com a tristeza
o dia em que eu sentei com a tristeza e resolvi lhe ouvir
Olhei para a tristeza inúmeras vezes, mas não consegui sustentar o olhar. Seu peso me fez desviar os olhos e ignorá-la. Achei que, para não ter de ouvi-la e encará-la, a melhor opção seria escondê-la.
Cavei vários buracos para enterrá-la, no fundo de mim, como que para não tornar a vê-la jamais. Mal sabia eu que, mesmo escondida, ela se revolve por dentro e dilacera, e vem à tona como que emergindo das águas.
A duras penas uma melancólica que muito sente e pouco fala escondeu-se tantas vezes para chorar. Toda vez que a tristeza despontava das minhas profundezas como um golpe, aturdida, eu me escondia. Como que para esconder-me dela, como que para esconder-me de mim.
Aprendemos cedo que precisamos engolir o choro.
Internalizamos que a tristeza precisa ser evitada a todo o custo - é melhor senti-la sozinho, distrair-se, sorrir e esquecer o que fez ela despontar.
o que a tristeza diria, se eu parasse pra lhe ouvir? Se eu permitisse que ela ficasse e a sentisse livremente?
Permiti que ela sentasse em um banquinho e lhe ouvi.
- Por que você insiste em ficar? Perguntei, rendendo-me por fim, a ela.
- Preciso que me ouça, que me deixe falar, que me deixe ficar, que me acolha e me entenda...
- Não parece legal te deixar tão a vontade assim... tenho medo que você tome conta de mim...
- Eu existo, logo, preciso ter espaço pra ser sentida... se você me evitar, não deixarei de existir; se me esconder, continuarei tentando falar...
- Você dói. Faz com que eu me sinta ingênua...imatura...
- A dor tem um propósito, ela não aparece à toa... Agora que você tá me deixando falar, posso te dizer a que vim...
- Ok... disse, meio a contragosto, sem realmente aceitar, mas movida pela curiosidade.
- como eu ia dizendo... é necessário que você me dê esse espaço. Você me escondeu por anos, mas foi tudo em vão. Sentar e falar livremente a você é necessário. Talvez, ao meu ouvir, você consiga enxergar algumas coisas com mais clareza...
- é... pensando bem... te enterrar tem sido um trabalho inútil...
- Quando eu apareço, é melhor sentar-se comigo e me ouvir... Pode ser desconfortável, mas depois o alívio aparece...
- Faz sentido... começo a me sentir melhor... talvez você não seja de todo ruim.
- É ... acho que você começou a entender... antes que eu vá, quero que saiba que virei te visitar mais vezes. Separa pra mim um banquinho na sua frente, aliás, que ideia boa! Um lugar para que eu possa realmente existir e ser sentida, em vez de fingir que eu não existo... E a propósito, você sobreviveu bravamente ao nosso encontro. Pode sobreviver a outros.
Deixei-a ir... foi estranho dar espaço a ela, mas esse encontro não planejado me fez entender o quanto ela é necessária.



amei a reflexão
que necessario!!